Sócrates, o primeiro lacrador
(A sabedoria está em saber que você não sabe nada)
Quando criança, na escola, eu percebia o quanto gostavam do conflito. Qualquer palavra dita, um pouco mais “a palo seco”, virava motivo para um duelo. “Ah, loko!!! Não deixava baixo, te chamou de burro”. Nisto, o que eu via era um show de retrucadas infantil como O “CALA BOCA JÁ MORREU” E O “e DAÍ, segura as calças pra não cair”. Sem perceber nós éramos atraídos para o caos, queríamos ver o circo pegar fogo.
Hoje eu cresci, e percebi que as pessoas continuam com esse impulso para o conflito. Posso citar as tags ou capas de vídeos “Mitadas de fulano”, “veja ciclano humilhando fulano”, “Beltrano calou a boca de ciclano” e tudo isso ao som de “turn down for what”, que literalmente seria algo do tipo “Se ajoelhe para…”
Essa cultura do humilhar alguém remonta nossa infância, não é mesmo? Eu me lembro bem - pois ainda vejo cultivado nas salas de aula - “Nooooossa, te chamou de fracote…”, as vezes o outro nem ouviu, queríamos garantir o duelo.
Ainda hoje, no calor de uma discussão quero ganhar do meu oponente, mas com tanto sangue na cabeça, não percebo, a vida não é um jogo, não é uma competição tal como batalha de rappers ou de repentes.
Ainda continuamos Queremos ganhar de alguém no debate? Queremos chamar atenção, e acabamos recorrendo a falácias ou ao ad hominem, como nos debates que políticos trazem a tona defeitos do oponente tentando deslegitimar seu discurso. Na escola tínhamos uma gíria para isso “ tesourar”. Hoje temos ou as mitadas de joão ou “lacrar”.
Essa cultura da lacração não é algo inédito. há 2000 a.c no Vale do Indo (nem agricultura os marmanjos tinham) a galera curtia ver galos se arrebentando. Em 230 A.C era a vez das arenas com gladiadores.
Os gregos por sua vez, se reuniam nas ágoras e travaram duelos racionais buscando tornar a Grécia um lugar melhor.
Sócrates era um grego que segundo seus seguidores, “lacrava”. Saia pelas ruas questionando todas as certezas com uma ironia irritante. Perguntava “o que é isso a coragem?” ao general, “o que é isso a justiça?”, para os juízes, “o que é isso beleza?” para os artistas, “o que é isso amizade?” para os amigos e o “o que é isso verdade?” aos sofistas. Estes últimos acusados de “lacrar por lacrar”, isto é, não se preocupavam em buscar a verdade e preservar a humildade intelectual como Sócrates, queriam apenas falar bonito e lucrar com o reconhecimento, assim como alguns desses colegas dos debates televisivos e influencers da internet.
Sócrates buscando “parir” a verdade às vezes colocava questões difíceis e deixava as pessoas numa saia justa. Começou irritar algumas pessoas. Não duvido que fofocas como essas veiculadas na internet aumentaram sua fama e acabaram selando sua condenação:“Sócrates cala boca dos juízes”, “Nooossa Sócrates humilhou o general”, “Sócrates mitou em plena Atenas”, “veja o que Sócrates disse sobre os deuses”. não deu outra, mataram Sócrates.
Comentários
Postar um comentário